sexta-feira, 29 de maio de 2020

Sociedade Alternativa 6° Vll (A1/7c) E3 650m - Relato de Rander Ferreira



Desde a minha primeira investida no Pico do Baiano em 2019 pela via Obra do
Acaso 5+ Vl (A0/7C) E2, na qual infelizmente não fizemos cume, carrego uma vontade
de voltar ao Baiano. Essa primeira investida foi muito intensa, meu grande amigo
ROBIN machucou o ombro na P2 e não pudemos concluir a escalada. Horas depois
começou uma forte chuva e, por causa do acidente, não pegamos essa roubada na
parede.

No início deste ano, meu amigo André Machado (Dedão) me convidou para
escalar o Pico do Baiano com o seu amigo Henriquinho, mas dessa vez pela via
Sociedade Alternativa, conquistada pelos grandes escaladores Marcos Rufino e
Gustavo Pietsch (Tigrão) em 2011. Eu fiquei muito ansioso com o convite pois sabia
que aquela era a minha chance de finalmente realizar o meu sonho: escalar o Pico do
Baiano por completo.

No dia seguinte, comecei a arrumar os meus equipamentos de escalada e
camping para este grande feito. A ideia do André era saírem às 15h de Belo Horizonte,
mas aconteceram alguns imprevistos que acabaram atrasando a vinda deles. Ás 20:30
ele me mandou uma mensagem avisando que estava saindo de Belo Horizonte, 2h30
depois ele chegou em Catas Altas para me pegar no trevo. Nesse meio tempo, eu
estava muito ansioso e tentava de todas formas controlar esta ansiedade.
Fomos para o Morro d’Água Quente. 23h começamos a ajeitar algumas coisas e
partimos para a trilha. Percorremos aproximadamente 1h30 de trilha bem fechada até
o primeiro abrigo. Chegamos no abrigo quase 1h da manhã, esse atraso resultou em
poucas horas de sono, 3h30 aproximadamente. Acordamos às 5h da manhã. Acordei
bem cansado, poucas horas de sono para muitas horas de atividade é bem cansativo.
Estava frio e a primeira missão do dia era sair do saco de dormir, bem desanimador,
né?
Tomamos aquele café de montanha, “sem açúcar e bem forte’’, para dar
alguma energia naquele momento. Depois do café, ajeitamos os equipamentos e
partimos para o ataque à base da via. Começamos a caminhada entre 6:30 e 7h da
manhã. Foi uma caminhada muito árdua que durou 2h. O primeiro desafio de escalar o
Pico do Baiano é encarar a trilha. Chegamos na base da via um pouco cansados, porém
com muita disposição para encarar a “onça”. Já eram quase 9h da manhã, bem tarde
para iniciar uma escalada no Pico do Baiano. Nesse momento, sabíamos que alguma
atividade seria feita durante a noite fria que nos aguardava. Novamente ajeitamos os
equipamentos, comemos mais um rango e bora para o tão sonhado cume...



André Machado (Dedão) guiando a primeira cordada


Começamos a escalar 10h, às 10:30 estávamos na P1 da via. A logística era a
seguinte: o André guiaria todas as cordadas, sua experiência nas grandes paredes fez
toda a diferença; já eu e o Henriquinho iríamos alternando entre escalar e jumarear
para ganharmos tempo. Fiz a seg da primeira cordada e logo em seguida escalei. No
meu primeiro contato com a via, senti uma forte energia e ligação presente, ali era o
meu momento, foi uma mistura de adrenalina, coragem e determinação para encarar
a “onça”. Logo em seguida veio o Henriquinho jumareando parede acima com uma
mochila pesada.

A média era 1h a cada 2 cordadas e assim foi até a P5. Estávamos com 2 cordas
de 60m mas no croqui pedia uma corda de 70m. Aí veio o problema: entre a P4 e a P5,
a corda de 70m faria toda diferença. Era uma enfiada com um pouco mais de 60m e a
corda não ia dar até a parada da P5. André teve que improvisar uma parada e subimos
até quase o final da P5. Logo em seguida, ele já começou a tocar para cima e, acima da
P5, o André entrou em uma roubada. Segundo ele, era uma linda fenda, mas um pouco
podre e com proteções delicadas. Além disso, a corda de 60m também não daria
comprimento até a P6. Logo acima dessa fenda, tinha uma outra fenda mais larga e um
pequeno platô. Mais uma vez rolou uma improvisada que deu muito certo, mas dessa
vez foi uma parada móvel com 4 peças “a prova de bombas”. Me lembro que foram
usados Camalots 3 e 4 na fenda mais larga.

Nesta enfiada, o Henriquinho foi escalando até o André. Logo em seguida,
André tocou pra cima pra chegar na P6. Fiquei esperando na P5 improvisada até o
André chegar na P6 e depois fui jumareando pela corda fixa nas peças móveis
(confesso que foi um pouco drenante, eu não sabia como estavam as peças lá, mas
entreguei a minha vida nessa parada aprova de bombas e toquei pra cima). Foi
incrível! Tive toda confiança no André pela sua experiência e capacidade de lidar com
as adversidades, então fiquei muito tranquilo logo após essa adrenalina toda.

Chegando nas proteções delicadas, eu não me lembro o que fiz, mas acabei
deixando um mosquetão cair. Ele ficou a 3m de mim em uma pequena fenda na
horizontal. Tentei de várias formas para recuperar este mosquetão mas eu não
conseguia alcançá-lo, eu estava preso no jumar e não conseguia descer: falta de
experiência. Perdi um tempo precioso tentando recuperar o mosquetão, decidi, então,
continuar subindo e deixar o mosquetão de lado. Cheguei na parada móvel e o
Henriquinho estava lá me esperando. Após trocarmos uma rápida ideia ele foi buscar o
meu mosquetão. Eu não queria que ele fosse porque iríamos perder mais tempo, mas
ele desceu, recuperou o meu mosquetão e subiu jumareando.


Detalhe da Parada em Móvel “Pra cego ver, corda azul fixada nos Camalot número 3 e 4, camalot é essa peça entalada na fenda, na corda o meu julmar esse equipamento dourado que serve para fazer ascensão “

Henriquinho indo buscar o “maldito” mosquetão Linda paisagem né? Pico do Baiano sempre surpreende...  


Chegamos na P6, o André ficou um pouco intrigado com o que tinha
acontecido, mas essa demora fez com ele pudesse dar uma descansada e logo partir
para a próxima roubada. Dei a ele uma sanduiche para recuperar as energias e bora
pra cima! Cerca de 2m da parada da P6, havia um lance em artificial com um buraco de
cliff camuflado, o André colocou o cliff com um estribo no buraco e subiu. Acima dele,
havia uma mini barriga com uma linda fenda em cima, foi um momento de tensão
porque a qualquer momento o buraco do cliff poderia estourar e ele cair. Logo após
ficar em pé no estribo, ele colocou 2 peças de camalot na fenda e tocou pra cima - a
experiência necessária para guiar esta via foi muito mais além do que eu imaginava.
Ver essa cena foi incrível para mim, vi muita experiência e um psicológico a prova de
bombas no André (rsrs).




Após essas roubadas, as cordas foram fixadas na P7 e eu e o Henriquinho
subimos com tudo para não perder mais tempo. Chegamos na P7, mesmo com a corda
fixa e totalmente preso nela, eu senti a exposição daquele lugar como nunca. Eram
lances fáceis pelo o que vi, mas era muito exposto cair ali. Poderia ser fatal, mas a
grande jogada mental faz toda a diferença, se manter calmo e consciente é a única
saída.

Chegamos na P7 às 17:35h, tarde, faltava mais 5 cordadas para o cume, mas
dali para cima era mais tranquilo. A via Sociedade Alternativa se encontra com a Obra
do Acaso nas 5 últimas enfiadas - as mais expostas, porém bem fáceis. Eu e o
Henriquinho subimos jumareando para ser mais rápidos, já estava anoitecendo e
sabíamos que iriamos escalar durante a noite. Chegamos na P10 bem rápido, o André
foi guiando e encontrou a P11. Depois, decidimos ir escalando em simultâneo até uma
parte e o André encontrou a P12 (detalhe, eu e o Henriquinho escalamos de botas
rsrs). André gritou “Corda fixa” e subimos com tudo, sabíamos que era a última para o
cume.

CUME PICO DO BAIANO E RAPEL

Chegamos ao cume às 19:40h. Para mim, o meu sonho tinha sido realizado
naquele momento, alcancei o meu objetivo: chegar ao cume do Pico do Baiano por
uma via de escalada. Foi muito mais especial ainda porque escalamos uma via que não
tem muitas repetições como a Obra do Acaso, a via mais repetida no Baiano. No cume,
assinamos o livro e comemos uma caixa de bombom patrocinada pelo André que
estava uma delícia. Um outro presente que foi muito marcante era o nascer da lua, ela
estava meio avermelhada, estava linda! Conforme ela subia, ela iluminava mais ainda a
parede! O frio e o vento cortava na alta, era difícil parar com a tremedeira, “estava
osso”. Mesmo assim, ficamos um tempo no cume para comemorar tal feito histórico.

Após a comemoração, era a hora do rapel. Chegando na beira do paredão, o
vento ficava ainda mais forte. Eu tremia tanto que o meu peito começou a doer
bastante, foi difícil, fiquei todo travado. O Henriquinho estava de bermuda, acredito
que ele passou mais frio do que eu rsrs. Começamos os rapéis umas 21h e fomos
rapelando pela via Obra do Acaso, que esta paralela a 20m da Sociedade Alternativa (é
um rapel mais fácil, mais reto, etc...). Foram cerca de 2:30 a 3h de rapel. 00h,
chegamos a base da via.

Bônus da noite, a lua iluminava toda parede cinza e branca do Pico do Baiano e
o horizonte, em alguns momentos eu não usava a headlamp (lanterna de cabeça),
estava muito claro, era possível ver a altura que ainda estávamos, era bem alto,
famosa “ Pirambeira ”, linda, visual que só o caraça pode proporcionar. Em alguns
momentos eu fechava os meu olhos e percebia o quanto estava cansado, Henriquinho
 fazia o mesmo, estávamos “ mortos “, após esse rapel chegamos a base, a missão
estava feita!

Não tínhamos tempo para comemorar, ajeitamos os equipamentos e pegamos
a árdua trilha. Essa para mim foi a pior parte de toda empreitada, 2h de caminhada até
o primeiro abrigo. Eu estava andando no automático, muito sono, muito mesmo, em
alguns momentos dava vontade de sentar e levantar só no outro dia. Ficamos
exaustos, o Baiano destrói o físico e o psicológico, tem que ser “CASCA GROSSA”, se
não, não arruma nada ali. Chegamos ao abrigo ás 2:30 da manhã, completamente
destruídos. Fizemos uma breve janta: arroz sem sal, 1 cenoura e um pedaço de
linguiça. Comemos, comemoramos mais um pouco e fomos ao merecido descanso.

Uma das maiores experiências de minha vida! Cada um ali saiu com sua
realização: eu realizei o meu sonho de escalar o Pico do Baiano por completo, o André
realizou o seu sonho de guiar todas as cordadas no Baiano e Henriquinho finalmente
terminou uma escalada no pico - assim como eu, a primeira investida não deu certo,
mas ele voltou depois de 10 anos.

Cada um foi responsável pelo o outro, foi uma verdadeira reunião entre
amigos. Conheci o André pelo Instagram e tive essa oportunidade incrível de escalar
com essa máquina, valeu pela confiança meu brother, tamo junto!! Conheci o
Henriquinho no trevo de Catas Altas um dia antes da grande escalada... Seremos
parceiros pro resto da vida! A magia da montanha tem esse poder de conectar as
pessoas para sempre.

Obrigado aos meus amigos e familiares pelo apoio, isso é muito importante
para mim. Ao meu irmão Ramon, agradeço de coração pela parceria. Na primeira vez,
não fizemos o cume, mas dessa vez eu fiz o cume por você também, pelo Robin, pela
Clara, por todos os meus amigos, meu mozão < 3 e claro, POR MIM! Até a próxima!


Auuuuuuuuuuuuuu!!!!

EU RANDER FERREIRA SILVA JUNIOR SOU O PRIMEIRO

ESCALADOR DE CATAS ALTAS NATIVO DA SERRA DO

CARAÇA E TALVEZ DESSA GERAÇÃO A ESCALAR O

PICO DO BAIANO...


Clássica foto na parada, Sociedade Alternativa, fez muito sentido o nome...




Henriquinho na seg, detalhe do pico do tamanduá ao fundo...



Lindo visual que o caraça e o Pico do Baiano proporcionam.



 O pequeno distrito do Morro D’Água Quente de um ângulo completamente diferente



André ajeitando a calça, foto desfocada mas tá valendo


Grande rampa em um trecho da P5


Só os “Caracentos”, felicidade é igual esse tanto de mato que tem ai


Detalhe da via


CROQUI DA VIA,FIM...

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