Desde a
minha primeira investida no Pico do Baiano em 2019 pela via Obra do
Acaso 5+ Vl
(A0/7C) E2, na qual infelizmente não fizemos cume, carrego uma vontade
de voltar ao
Baiano. Essa primeira investida foi muito intensa, meu grande amigo
ROBIN
machucou o ombro na P2 e não pudemos concluir a escalada. Horas depois
começou uma
forte chuva e, por causa do acidente, não pegamos essa roubada na
parede.
No início deste ano,
meu amigo André Machado (Dedão) me convidou para
escalar o
Pico do Baiano com o seu amigo Henriquinho, mas dessa vez pela via
Sociedade
Alternativa, conquistada pelos grandes escaladores Marcos Rufino e
Gustavo
Pietsch (Tigrão) em 2011. Eu fiquei muito ansioso com o convite pois sabia
que aquela
era a minha chance de finalmente realizar o meu sonho: escalar o Pico do
Baiano por
completo.
No dia
seguinte, comecei a arrumar os meus equipamentos de escalada e
camping para
este grande feito. A ideia do André era saírem às 15h de Belo Horizonte,
mas
aconteceram alguns imprevistos que acabaram atrasando a vinda deles. Ás 20:30
ele me
mandou uma mensagem avisando que estava saindo de Belo Horizonte, 2h30
depois ele
chegou em Catas Altas para me pegar no trevo. Nesse meio tempo, eu
estava muito
ansioso e tentava de todas formas controlar esta ansiedade.
Fomos para o
Morro d’Água Quente. 23h começamos a ajeitar algumas coisas e
partimos
para a trilha. Percorremos aproximadamente 1h30 de trilha bem fechada até
o primeiro
abrigo. Chegamos no abrigo quase 1h da manhã, esse atraso resultou em
poucas horas
de sono, 3h30 aproximadamente. Acordamos às 5h da manhã. Acordei
bem cansado,
poucas horas de sono para muitas horas de atividade é bem cansativo.
Estava frio
e a primeira missão do dia era sair do saco de dormir, bem desanimador,
né?
Tomamos
aquele café de montanha, “sem açúcar e bem forte’’, para dar
alguma
energia naquele momento. Depois do café, ajeitamos os equipamentos e
partimos
para o ataque à base da via. Começamos a caminhada entre 6:30 e 7h da
manhã. Foi
uma caminhada muito árdua que durou 2h. O primeiro desafio de escalar o
Pico do
Baiano é encarar a trilha. Chegamos na base da via um pouco cansados, porém
com muita
disposição para encarar a “onça”. Já eram quase 9h da manhã, bem tarde
para iniciar
uma escalada no Pico do Baiano. Nesse momento, sabíamos que alguma
atividade
seria feita durante a noite fria que nos aguardava. Novamente ajeitamos os
equipamentos,
comemos mais um rango e bora para o tão sonhado cume...
André
Machado (Dedão) guiando a primeira cordada
Começamos a
escalar 10h, às 10:30 estávamos na P1 da via. A logística era a
seguinte: o
André guiaria todas as cordadas, sua experiência nas grandes paredes fez
toda a
diferença; já eu e o Henriquinho iríamos alternando entre escalar e jumarear
para
ganharmos tempo. Fiz a seg da primeira cordada e logo em seguida escalei. No
meu primeiro
contato com a via, senti uma forte energia e ligação presente, ali era o
meu momento,
foi uma mistura de adrenalina, coragem e determinação para encarar
a “onça”.
Logo em seguida veio o Henriquinho jumareando parede acima com uma
mochila
pesada.
A média era
1h a cada 2 cordadas e assim foi até a P5. Estávamos com 2 cordas
de 60m mas
no croqui pedia uma corda de 70m. Aí veio o problema: entre a P4 e a P5,
a corda de
70m faria toda diferença. Era uma enfiada com um pouco mais de 60m e a
corda não ia
dar até a parada da P5. André teve que improvisar uma parada e subimos
até quase o
final da P5. Logo em seguida, ele já começou a tocar para cima e, acima da
P5, o André
entrou em uma roubada. Segundo ele, era uma linda fenda, mas um pouco
podre e com
proteções delicadas. Além disso, a corda de 60m também não daria
comprimento
até a P6. Logo acima dessa fenda, tinha uma outra fenda mais larga e um
pequeno
platô. Mais uma vez rolou uma improvisada que deu muito certo, mas dessa
vez foi uma
parada móvel com 4 peças “a prova de bombas”. Me lembro que foram
usados
Camalots 3 e 4 na fenda mais larga.
Nesta
enfiada, o Henriquinho foi escalando até o André. Logo em seguida,
André tocou
pra cima pra chegar na P6. Fiquei esperando na P5 improvisada até o
André chegar
na P6 e depois fui jumareando pela corda fixa nas peças móveis
(confesso
que foi um pouco drenante, eu não sabia como estavam as peças lá, mas
entreguei a
minha vida nessa parada aprova de bombas e toquei pra cima). Foi
incrível!
Tive toda confiança no André pela sua experiência e capacidade de lidar com
as
adversidades, então fiquei muito tranquilo logo após essa adrenalina toda.
Chegando nas
proteções delicadas, eu não me lembro o que fiz, mas acabei
deixando um
mosquetão cair. Ele ficou a 3m de mim em uma pequena fenda na
horizontal.
Tentei de várias formas para recuperar este mosquetão mas eu não
conseguia
alcançá-lo, eu estava preso no jumar e não conseguia descer: falta de
experiência.
Perdi um tempo precioso tentando recuperar o mosquetão, decidi, então,
continuar
subindo e deixar o mosquetão de lado. Cheguei na parada móvel e o
Henriquinho
estava lá me esperando. Após trocarmos uma rápida ideia ele foi buscar o
meu
mosquetão. Eu não queria que ele fosse porque iríamos perder mais tempo, mas
ele desceu,
recuperou o meu mosquetão e subiu jumareando.
Detalhe da Parada em Móvel “Pra cego ver, corda azul fixada nos Camalot
número 3 e 4, camalot é essa peça entalada na fenda, na corda o meu julmar esse
equipamento dourado que serve para fazer ascensão “
Henriquinho indo buscar o “maldito” mosquetão Linda paisagem né? Pico do
Baiano sempre surpreende...
Chegamos na
P6, o André ficou um pouco intrigado com o que tinha
acontecido,
mas essa demora fez com ele pudesse dar uma descansada e logo partir
para a
próxima roubada. Dei a ele uma sanduiche para recuperar as energias e bora
pra cima!
Cerca de 2m da parada da P6, havia um lance em artificial com um buraco de
cliff
camuflado, o André colocou o cliff com um estribo no buraco e subiu. Acima
dele,
havia uma
mini barriga com uma linda fenda em cima, foi um momento de tensão
porque a
qualquer momento o buraco do cliff poderia estourar e ele cair. Logo após
ficar em pé
no estribo, ele colocou 2 peças de camalot na fenda e tocou pra cima - a
experiência
necessária para guiar esta via foi muito mais além do que eu imaginava.
Ver essa
cena foi incrível para mim, vi muita experiência e um psicológico a prova de
bombas no André (rsrs).
Após essas
roubadas, as cordas foram fixadas na P7 e eu e o Henriquinho
subimos com
tudo para não perder mais tempo. Chegamos na P7, mesmo com a corda
fixa e
totalmente preso nela, eu senti a exposição daquele lugar como nunca. Eram
lances
fáceis pelo o que vi, mas era muito exposto cair ali. Poderia ser fatal, mas a
grande
jogada mental faz toda a diferença, se manter calmo e consciente é a única
saída.
Chegamos na
P7 às 17:35h, tarde, faltava mais 5 cordadas para o cume, mas
dali para
cima era mais tranquilo. A via Sociedade Alternativa se encontra com a Obra
do Acaso nas
5 últimas enfiadas - as mais expostas, porém bem fáceis. Eu e o
Henriquinho
subimos jumareando para ser mais rápidos, já estava anoitecendo e
sabíamos que
iriamos escalar durante a noite. Chegamos na P10 bem rápido, o André
foi guiando
e encontrou a P11. Depois, decidimos ir escalando em simultâneo até uma
parte e o
André encontrou a P12 (detalhe, eu e o Henriquinho escalamos de botas
rsrs). André
gritou “Corda fixa” e subimos com tudo, sabíamos que era a última para o
cume.
CUME PICO DO
BAIANO E RAPEL
Chegamos ao
cume às 19:40h. Para mim, o meu sonho tinha sido realizado
naquele
momento, alcancei o meu objetivo: chegar ao cume do Pico do Baiano por
uma via de
escalada. Foi muito mais especial ainda porque escalamos uma via que não
tem muitas
repetições como a Obra do Acaso, a via mais repetida no Baiano. No cume,
assinamos o
livro e comemos uma caixa de bombom patrocinada pelo André que
estava uma
delícia. Um outro presente que foi muito marcante era o nascer da lua, ela
estava meio
avermelhada, estava linda! Conforme ela subia, ela iluminava mais ainda a
parede! O
frio e o vento cortava na alta, era difícil parar com a tremedeira, “estava
osso”. Mesmo
assim, ficamos um tempo no cume para comemorar tal feito histórico.
Após a
comemoração, era a hora do rapel. Chegando na beira do paredão, o
vento ficava
ainda mais forte. Eu tremia tanto que o meu peito começou a doer
bastante,
foi difícil, fiquei todo travado. O Henriquinho estava de bermuda, acredito
que ele passou
mais frio do que eu rsrs. Começamos os rapéis umas 21h e fomos
rapelando
pela via Obra do Acaso, que esta paralela a 20m da Sociedade Alternativa (é
um rapel
mais fácil, mais reto, etc...). Foram cerca de 2:30 a 3h de rapel. 00h,
chegamos a
base da via.
Bônus da
noite, a lua iluminava toda parede cinza e branca do Pico do Baiano e
o horizonte,
em alguns momentos eu não usava a headlamp (lanterna de cabeça),
estava muito
claro, era possível ver a altura que ainda estávamos, era bem alto,
famosa “ Pirambeira
”, linda, visual que só o caraça pode proporcionar. Em alguns
momentos eu
fechava os meu olhos e percebia o quanto estava cansado, Henriquinho
fazia o
mesmo, estávamos “ mortos “, após esse rapel chegamos a base, a missão
estava
feita!
Não tínhamos
tempo para comemorar, ajeitamos os equipamentos e pegamos
a árdua
trilha. Essa para mim foi a pior parte de toda empreitada, 2h de caminhada até
o primeiro
abrigo. Eu estava andando no automático, muito sono, muito mesmo, em
alguns
momentos dava vontade de sentar e levantar só no outro dia. Ficamos
exaustos, o
Baiano destrói o físico e o psicológico, tem que ser “CASCA GROSSA”, se
não, não
arruma nada ali. Chegamos ao abrigo ás 2:30 da manhã, completamente
destruídos.
Fizemos uma breve janta: arroz sem sal, 1 cenoura e um pedaço de
linguiça.
Comemos, comemoramos mais um pouco e fomos ao merecido descanso.
Uma das
maiores experiências de minha vida! Cada um ali saiu com sua
realização:
eu realizei o meu sonho de escalar o Pico do Baiano por completo, o André
realizou o
seu sonho de guiar todas as cordadas no Baiano e Henriquinho finalmente
terminou uma
escalada no pico - assim como eu, a primeira investida não deu certo,
mas ele
voltou depois de 10 anos.
Cada um foi
responsável pelo o outro, foi uma verdadeira reunião entre
amigos.
Conheci o André pelo Instagram e tive essa oportunidade incrível de escalar
com essa
máquina, valeu pela confiança meu brother, tamo junto!! Conheci o
Henriquinho
no trevo de Catas Altas um dia antes da grande escalada... Seremos
parceiros
pro resto da vida! A magia da montanha tem esse poder de conectar as
pessoas para
sempre.
Obrigado aos
meus amigos e familiares pelo apoio, isso é muito importante
para mim. Ao
meu irmão Ramon, agradeço de coração pela parceria. Na primeira vez,
não fizemos
o cume, mas dessa vez eu fiz o cume por você também, pelo Robin, pela
Clara, por
todos os meus amigos, meu mozão <
3
e claro, POR MIM! Até a próxima!
Auuuuuuuuuuuuuu!!!!
EU RANDER
FERREIRA SILVA JUNIOR SOU O PRIMEIRO
ESCALADOR DE
CATAS ALTAS NATIVO DA SERRA DO
CARAÇA E
TALVEZ DESSA GERAÇÃO A ESCALAR O
PICO DO
BAIANO...
Clássica foto na parada, Sociedade Alternativa,
fez muito sentido o nome...
Henriquinho na seg, detalhe do pico do tamanduá ao fundo...
Lindo visual que o caraça e o Pico do Baiano proporcionam.
O pequeno distrito do Morro D’Água Quente de um ângulo completamente diferente
André ajeitando a calça, foto desfocada mas tá valendo
Grande rampa em um trecho da P5
Só os “Caracentos”, felicidade é igual esse tanto de mato que tem ai
Detalhe da via
CROQUI DA VIA,FIM...